Satisfação na Engenharia de Software: entenda como funciona

Neste artigo você vai ver:

O que é satisfação e como funciona a satisfação na Engenharia de Software? Com base nessas perguntas, vamos conhecer pesquisas sobre o tema e descobrir como aplicar boas práticas para ter um time satisfeito no trabalho de desenvolvimento de software. 

Pesquisas sobre satisfação

Este artigo é a continuação do anterior que apresentava os principais conceitos sobre Motivação na Engenharia de Software. Pode continuar a leitura, contudo sugiro que leia o post anterior para ter um contexto mais aprofundado. 

Isso se deve ao fato de que a motivação e a satisfação são fatores que estão muito próximos um do outro, não só nas pesquisas, mas também no dia a dia de trabalho. 

Muitas teorias, como a Teoria de Motivação de Herzberg, investigam os dois conceitos em simultâneo. Na Engenharia de Software até mais ou menos metade dos anos 2010’s, era muito comum observar pesquisas confundirem os dois termos. 

Recentemente, avaliei um artigo para congresso e o time de pesquisa afirmava que investigava motivação, só que avaliavam a satisfação das pessoas. É, de fato, algo muito próximo. 

Na Engenharia de Software, o trabalho que mudou essa visão foi a tese de César França e principalmente seu artigo Motivation and Satisfaction of Software Engineers”

Este trabalho apresenta uma teoria da motivação e satisfação de pessoas engenheiras de software chamada: Theory of Motivation  and Satisfaction  of Software Engineers – (TMS – SE). É sobre essa teoria que iremos falar neste artigo. 

Por que falar sobre satisfação no trabalho?

Antes de entrar em detalhes nós precisamos entender qual a importância da satisfação do trabalho no contexto de desenvolvimento de software.

A relação mais clara e uma das mais estudadas é a relação da satisfação com o turnover, ou seja, pedidos de demissão. De acordo com Westlund e Hannon (2008), pessoas mais satisfeitas tendem a ter uma menor intenção de turnover. 

Acunhã et al. (2009) realizaram estudos no contexto de software e encontraram uma pequena correlação positiva entre a satisfação do trabalho e a qualidade do software. 

Portanto, existe uma leve relação entre pessoas que estão satisfeitas com o trabalho e a qualidade do software produzido (mensurado com quantidade de defeitos detectados, número de requisitos satisfeitos, número de módulos reusáveis, etc.)

Ribeiro (2020) também investigou profissionais de desenvolvimento de software e encontrou algumas relações interessantes: pessoas que se acham mais adaptáveis também se sentem mais satisfeitas com o trabalho na Engenharia de Software. 

Além disso, existe uma correlação negativa entre a satisfação e todas as dimensões do burnout (exaustão, cinismo e baixa autoeficácia). Em outras palavras, pessoas que estão mais satisfeitas com o trabalho tendem a ter menores índices de percepção de burnout

Poderíamos passar uma eternidade comentando dos resultados, porque existem quase 600 mil artigos sobre o tema satisfação no contexto de desenvolvimento de software

Para te ajudar a compreender o assunto, nas próximas seções, nós vamos definir o que é satisfação e entender o que pode influenciar a satisfação conforme a TMS-SE.

Teoria da Satisfação na Engenharia de Software

Para Locke (1976), a satisfação com o trabalho pode ser definida como um estado emocional prazeroso ou positivo resultante da avaliação do indivíduo sobre o trabalho, ou das experiências de trabalho vividas por ele.

Para França et al. (2018), a satisfação com o trabalho é operacionalizada enquanto o indivíduo está feliz em trabalhar naquela organização.

De acordo com Graziotin et al. (2018), essa felicidade, ou a falta dela, tem um conjunto de consequências para as pessoas desenvolvedoras de software. Quando profissionais sentem mais satisfação, tendem a:  

  • ter mais foco; 
  • ter mais energia;
  • ter mais motivação;
  • contribuir para uma atmosfera mais positiva;
  • ter mais criatividade; 
  • acreditar mais no seu potencial;
  • ter mais colaboração; 
  • ter mais produtividade;
  • aderir mais ao processo;
  • desenvolver código com mais qualidade, entre outros pontos.

Ainda de acordo com Graziotin et al. (2018), quando as pessoas não estão felizes, algumas consequências negativas podem aparecer, por exemplo:

  • performance inadequada; 
  • pouco foco; 
  • cansaço; 
  • ansiedade; 
  • estresse; 
  • depressão; 
  • pouca motivação; 
  • vontade de sair durante o trabalho; 
  • problemas com a criatividade; 
  • baixa produtividade; 
  • atrasos nas entregas;
  • pouca aderência ao processo; 
  • baixa qualidade de código e entre outros.

A partir da definição e de uma investigação, França et al. (2018) desenvolveram a teoria apresentada na imagem abaixo.  

Imagem da teoria apresentada por França. Nela, vemos dois blocos, o primeiro com “Job Characteristics” e o segundo com “Job Satisfaction”. Os itens “Actual Performance”, “Feedback” e “Individual Characteristics” possuem setas que apontam para a intersecção entre os blocos, representada por uma seta partindo do primeiro para o segundo bloco.

Fatores-chave

Para França et al. (2018), as características do trabalho contém os principais influenciadores da satisfação (felicidade) das pessoas desenvolvedoras. São elas: 

  1. pagamentos e benefícios 
  2. reconhecimento do seu trabalho 
  3. questões relacionadas à promoção de cargo

Quem trabalha com desenvolvimento sente satisfação quando recebe bem e tem bons benefícios, que façam sentido para o que acredita como justo. 

As pessoas também se sentem satisfeitas quando seus pares e sua liderança direta reconhecem o seu trabalho. Além disso, elas se sentem mais satisfeitas quando são promovidas ou tem essa possibilidade de promoção muito clara e alcançável para conseguir. 

Fatores moderadores

Os três pontos anteriores são chaves para manter as pessoas satisfeitas. No entanto, existem outros fatores observados que atuam como moderadores da relação entre os fatores-chave e a satisfação. 

Os autores afirmam que existem características da empresa, da parte da liderança e dos outros indivíduos da equipe que podem ajudar a maximizar o impacto dos fatores-chave na satisfação. Como tipo de atividades da empresa, decisões sobre situações, linguagem escolhida, burocracia, etc. Tudo isso pode impactar a satisfação das pessoas. 

Quando falamos de posição de liderança, características da função, confiança, maneira de conversar, entre outros aspectos, podem ajudar a diminuir ou até mesmo aumentar o impacto dos fatores-chave na satisfação. Por fim, mas não menos importante, como as pessoas enxergam colegas de equipe também influencia essa relação. 

Outros fatores também moderam a relação entre as características do trabalho e a satisfação. Como o desempenho, as características individuais (por exemplo, adaptabilidade, personalidade, entre outros) e os feedbacks recebidos. 

Os indivíduos obtêm satisfação quando conseguem produzir resultados tão bons ou melhores do que foi planejado anteriormente. 

Isso evidencia o quão importante é a atividade de planejamento para a satisfação de profissionais da engenharia de software, porque mostra que o planejamento é fonte primária para o estabelecimento das expectativas dos indivíduos, que por sua vez é responsável pelo julgamento de valor sobre seu próprio desempenho.

Motivação x Satisfação

Por fim, os autores comentam que existe uma relação muito forte entre a motivação e a satisfação. 

Para França et al. (2018) a satisfação no trabalho é o estado emocional prazeroso resultante da avaliação que o indivíduo faz do seu trabalho, conquistando ou permitindo a realização de valores importantes do trabalho para ele, enquanto que a motivação refere-se ao desejo que o indivíduo tem para trabalhar. 

Portanto, a motivação acontece antes da ação, enquanto que a satisfação acontece depois de um determinado episódio de trabalho.

Conclusão

 A partir do trabalho de França et al. (2018) foi possível entender um pouco mais de como funciona a satisfação da pessoa engenheira de software. Assim como na motivação, é válido comentar que existem diferentes linhas de aceitação sobre o que é satisfação e como ela pode impactar e ser impactada. Também vale muito a pena procurar mais sobre outras linhas. 

Lembrando que a teoria comentada neste artigo é a teoria da motivação e satisfação do Engenheiro de Software (Theory of Motivation and Satisfaction of Software Engineers – TMS-SE) que foi desenvolvida no contexto brasileiro. Ela apresenta um conjunto de características que podem impactar a motivação (foco e engajamento) e a satisfação (felicidade) de profissionais de desenvolvimento de software. 

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Referências 

Acuña, S. T., Gómez, M., & Juristo, N. (2009). How do personality, team processes and task characteristics relate to job satisfaction and software quality?. Information and Software Technology, 51(3), 627-639.

FRANÇA, A. C. C. (2009). Um estudo sobre motivação em integrantes de equipes de desenvolvimento de software. Recife: Ed. Universitária da UFPE.

França, C., Da Silva, F. Q., & Sharp, H. (2018). Motivation and satisfaction of software engineers. IEEE Transactions on Software Engineering, 46(2), 118-140.

GRAZIOTIN, Daniel et al. What happens when software developers are (un) happy. Journal of Systems and Software, v. 140, p. 32-47, 2018.

Locke, E. A. (1976). The nature and causes of job satisfaction. Handbook of industrial and organizational psychology.

RIBEIRO, D. M. (2020). As relações entre adaptabilidade individual, satisfação, Burnout e instabilidade do projeto na Engenharia de Software. TESE, Universidade Federal de Pernambuco. 

WESTLUND, Steven G.; HANNON, John C. Retaining talent: Assessing job satisfaction facets most significantly related to software developer turnover intentions. Journal of Information Technology Management, v. 19, n. 4, p. 1-15, 2008.

Capa do artigo sobre Satisfação na Engenharia de Software com um bloco com emoji feliz em primeiro plano.
Foto de Danilo Monteiro Ribeiro
Software Engineering Researcher
Doutor em Ciência da Computação pela UFPE com foco em entender como melhorar o trabalho e a educação na Engenharia de Software usando a Psicologia.

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